Por Sinvaline Pinheiro | Foto: Mariana Florêncio, em 01/08/22
Dentre tantas histórias de vida coletadas no XXII Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, há uma afinidade entre as contadas pelas mulheres dos povos tradicionais.
Quem vê Percília dos Santos Rosa, sempre bonita, sorridente e falando alto, não imagina sua luta diária de sobrevivência desde o nascimento. Hoje, mais amena com o desenvolvimento da região, e mais ainda pela garra em criar filhos que hoje com orgulho conta da conquista de ver todos com estudo:
"...um vai sê dotô.."
Percília nasceu no Vão de Almas. Tinha nove irmãos. Todos trabalhavam pesado na roça para ajudar os pais. Sentiu muito quando perdeu a mãe com apenas 30 anos de idade, após adquirir uma febre, sem jeito de ir para a cidade em lombo de burro, foi tratada com raízes, mas não sobreviveu.
Percilia casou nova e tem cinco filhos nascidos com ajuda de parteira. Diz que não sofreu:
-Tinha os remédios que ajudava no parto. Era azeite, chá de lagramina, leite de gergelim, gosma de mutamba, ou ovo com café quente apressava o parto sem a muié sofrê muito...
Amamentou todos os filhos até um ano ou quase dois anos de idade
- ...Pra render o leite comia canjica de milho, feijão com couro de porco, chá e fruta.
Com a separação do marido, se mudou para perto dos pais e teve que se virar na roça e em casa para manter a família. Nessa época conseguiu ser merendeira da escola na comunidade, o que ajudou muito nas despesas.
- ...Mais sempre plantei o que cumê, mandioca, arroz, milho, feijão, abobora, quiabo e ainda criava umas galinha e porco...
Tem orgulho dos filhos que considera " serem bem criados", mesmo quando tiveram de sair de casa e ir para Cavalcante para estudar. Apesar de distante dos olhos da mãe, foram bem criados.
- A manteção deles em casa dos outo, não foi fácil. De mês em mês tinha que levar os mantimentos em lombo de burro...
Ainda ouvia as críticas dos parentes:
- Seus fio na cidade vai aprender roubar..
Ela rezava dia e noite e foi escutada...
Fizeram o ensino médio e com ênfase destaca como Adão, o mais velho, já vai ser "dotô"...
Seu filho é conhecido como Adão kalunga. Formado na UnB em Educação no Campo, Ciência da Natureza, fez Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e atualmente é doutorando em Linguística.
Percília com as mãos postas, diz:
- Me sinto na glória com meus fio e 11 netos...
Sempre bonita e sorridente com lenço e saias coloridas, gosta de contar:
-Mermo sofreno até um dia de viage subino morro e carregano menino e mala, ainda sou forte, faço tapete, quebro coco, planto minha roça, cuido da casa e ainda saio pra vendê meus produto.
Considera ser uma pessoa feliz:
- Religião é a gente que faz, ser feliz, ir nas festa e dançá, num dô conta de ficá da igreja pra casa, quero dançar, e ficar sorridenta!
E assim, feliz e sorridente, sua barraca está sempre com algum freguês querendo conhecer a história das dezenas de pacotes de raízes, doces e aromas da terra kalunga.