Por Letícia Romani, em 20/09/25
“Meu pai sempre me dizia que tinha medo de morrer sem deixar legado, eu sempre falei pra ele: só não deixa legado quem não ensina o que sabe.”, conta Maria de Fátima da Silveira, presidente do Centro de Referência de Estudo Afro do Sul. Maria discute o valor de transmitir o conhecimento dos ancestrais de seu povo como forma de manter seus saberes vivos e circulantes. Os mestres e mestras na roda de debate do Seminário Internacional “Culturas Tradicionais e Populares e Justiça Climática", promovido pelo Ministério da Cultura, durante o XXV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, em concordância com Maria, discutiram a importância da presença dos saberes ancestrais não só nas Universidades, como também nas escolas.
Em memória a história de seu pai, criou o Grupo Mirim Memórias do Cativeiro, uma banda de Pindaré Mirim, no Maranhão. A iniciativa procura inserir na vida das crianças a música, cultura e inteligência emocional. O projeto oferece aulas de percussão, dança e confecção de instrumentos como forma de transformação de vida. “O nosso objetivo é tirar as crianças da maldade das ruas através da música.”, explica Maria.
O pindaré mirim se inspira no evento cultural Bumba meu boi. “O pindaré é uma forma também de repassar as tradições para nossas crianças, isso jamais pode morrer.”, explica Maria. Ela também reforça o valor que a tradição oral tem para os povos originários, “A gente se comunica falando, é desse jeito simples porque somos filhos de caboclo, mas somos nós, contando nossa história, com nossa voz.”.
A mestra Fatinha do Jongo, uma importante mestra griô que dedica sua vida à preservação e transmissão do jongo, no debate abordou a importância da preservação do jongo para a cultura dos povos originários. O jongo é uma manifestação cultural afro-brasileira, que une música, dança e rituais de louvação aos antepassados e afirmação de identidade. A mestra defende o ensino dos povos tradicionais de forma aprofundada nas escolas, “Só através da educação e do conhecimento é que entendemos o que foi a vida do povo preto, que procura a liberdade desde o princípio de sua existência nesse país até hoje.”, afirma.
Leila, participante do seminário, que trabalha no museu Ponto de Memória, fala sobre memória. “Falar em patrimônio cultural é falar em memória, uma ferramenta poderosa de resistência mas também um desafio para as comunidades.”, pontua Leila, que defende a memória como um direito de cidadania.
A profissional também reforçou a necessidade da presença de mestres e mestras nas escolas e universidades disseminando seus valiosos conhecimentos, “A história dos povos tradicionais foi contada por outros, sua fé ressignificada, seus corpos e jeitos de existir, tudo contado e transformado por outros. Aqui, nós exigimos ser sujeitos de nossa própria história.”, encerra Leila.
A mestra Lucely Barros discutiu sobre o valor dos conhecimentos ancestrais, “As pessoas precisam compreender que o saber dos mestres e mestras, o conhecimento dos terreiros e dos povos tradicionais, é tão válido quanto os conhecimentos acadêmicos”, pontua. Como Leila também acredita, é preciso que os povos tradicionais ocupem as universidades como alunos e como professores, para que a história seja contada por quem a vive. A mestra ainda pontuou que essa presença e participação acadêmica é essencial para que os povos sejam vistos e consequentemente, inseridos nas políticas públicas.