Por Letícia Romani | Foto: Lucas Borobo, em 15/09/25
O primeiro dia do “Seminário Natureza e Cultura Funatura no XXV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros”, nesta segunda-feira (15/09), trouxe a importância da restauração do Cerrado feita de forma inclusiva, com os povos originários na linha de frente da tomada de decisões.
Carolina Marcial e Yasmin Tavares ministraram o seminário representando sua organização, a Araticum, que luta por um Cerrado restaurado e inclusivo, além de estudar e apoiar a colheita e venda de sementes do bioma. O nome faz homenagem ao aracutim, infrutescência que tem em seu interior um conjunto de diferentes frutos, “É assim que enxergamos nossa instituição, cada um com sua individualidade mas todos juntos.”, comenta Carolina. A Araticum existe há cinco anos e busca restaurar o Cerrado de forma inclusiva, ao dar protagonismo à comunidade local.
Yasmin apresenta com dados a importância do Cerrado para o Brasil e o mundo. Este bioma ocupa 29,9% do território nacional e compõe 5% da biodiversidade global, mais de 25 milhões de pessoas vivem no Cerrado. Mesmo assim, menos de 50% da vegetação é nativa. As profissionais reforçaranm a importância de não desmatar, mas é preciso enfrentar aquilo que já foi destruído e começar a reestruturação. A meta é restaurar 2 milhões de hectares, cerca de 1,85 milhão de campos de futebol, até 2030.
A restauração inclusiva faz referência ao objetivo de ouvir aqueles que vivem no Cerrado e nele produzem. “Nós trabalhamos colocando os povos no centro, a Araticum não trabalha para pessoas, mas com elas.”, explica Carolina. Para que exista a participação ativa, a organização coloca como diretrizes principais a valorização e incorporação do conhecimento tradicional nos processos de restauração, a fim de manter a cultura do território, atrelado a dados científicos. “Nós desenhamos os projetos juntos para que todos se identifiquem com o espaço que vivem.”, conta Yasmin.
Para que o projeto seja bem executado foram criadas cinco frentes que são os princípios da Araticum:
1. Manter a cultura do território, a reestruturação busca resgatar e não abandonar.
2. Engajar a comunidade local, ao entender do que se trata a organização cada vez mais os povos se integram nos processos.
3. Decisões compartilhadas, nenhuma escolha é feita sozinha e todos são ouvidos com a mesma atenção.
4. Estratégias territorializadas, compreender como funciona o território que está sendo trabalhado para escolher, por exemplo, quais espécies podem ser plantadas no local.
5. Distribuição igualitária de benefícios, para que bens materiais e imateriais, como trabalho, renda, conhecimento e bem-estar alcancem a todos de forma justa e equitativa.
Além disso, a Aracutim busca um diagnóstico para compreender os erros e acertos nas decisões da organização, através da escuta ativa. O resultado foi a possibilidade de conhecer aqueles que vivem entre as reestruturações e como a colheita e comercialização de sementes é a base de muitos povos cerradenses. A motivação para a colheita tem como foco principal a geração de renda, seguido da preocupação com a conservação do Cerrado, que é o lar desses trabalhadores, além da saúde mental.
A pesquisa de diagnóstico consta que a maioria dos coletores de sementes são mulheres, "As mulheres são as grandes guardiãs do nosso Cerrado.”, aponta Yasmin. Ligado a isso, está a saúde mental, a Aracutim ouviu colhedoras de sementes que apontaram os benefícios desse trabalho para a saúde mental. O simples fato de executarem o trabalho ao lado de amigas, o que gera conversas proveitosas, faz com que as trabalhadoras aproveitem o momento da colheita. Junto a isso, existe o poder do trabalho manual e do propósito por trás da atividade.
As preocupações se concentram na redução da biodiversidade, que impacta diretamente na coleta. Os trabalhadores relatam que em alguns momentos existe a procura mas não há sementes suficientes, porque foram perdidas em incêndios, por exemplo. Outra questão é a baixa adesão dos jovens, que não carregam tanto apreço pela colheita como ocorre com seus ancestrais, somente 17,9% dos coletores são jovens de até 29 anos.
A organização também levantou uma pesquisa nas comunidades para compreender quais mudanças a Aracutim trouxe na vida desses povos. 83% relataram o crescimento de uma conscientização ambiental, individual e coletiva, 67% apontaram o aumento de renda e 33% enxergam um maior reconhecimento social e fortalecimento da autoestima. “Nós buscamos sempre melhorar como instituição, a restauração do Cerrado precisa ser inclusiva porque esse bioma é nosso e essa luta é coletiva.”, pontua Yasmin.