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As histórias contadas por seus protagonistas

Por Nádia Junqueira Ribeiro

“Chega de contar as nossas histórias. Nós quem precisamos contar as nossas histórias”. Foi esse o recado dado pelo autor Tiago Hakyi (AM) durante a terceira mesa literária do I Encontro de Culturas Literário, realizada na tarde deste sábado (16/4). Com o tema “pertencimento e ancestralidade - culturas e narrativas poéticas”, a mesa do segundo dia do evento, mediada por Agusto Niemar, ainda contou com a autora Julie Dorrico (RO), que fez questão de dividir o espaço e o tempo com outros parentes.

 

Hakyi, autor de 14 obras publicadas, nasceu em Barreirinha (AM) e descende do povo Sateré Mawé, que tem reserva homologada desde a década de 1980, o que garantiu que de 1,5 mil crescesse para 12 mil indígenas desta etnia nos últimos anos. Ele contou ao público do encontro, neste sábado, o caminho percorrido para chegar até ali. “São 370 quilômetros da minha cidade até Manaus. Passei 28 horas de barco viajando, deitado na rede, sentido o balançar do rio. De noite, namorando estrelas de noite e de dia vendo araras e tucanos passarem pelo barco. Conto isso para dizer que gostamos de compartilhar o melhor que nós temos, o que sempre foi ensinado por nossos mais velhos”, disse o escritor ressaltando a importância e a necessidade de que sejam os próprios indígenas a contar suas histórias, de sua própria perspectiva.

 

Tiago, que cresceu fora da comunidade, na casa de um escritor, conta como os livros entraram cedo na sua vida. “Eram livros de homens brancos e falavam de uma realidade completamente diferente: as frutas, os animais, as vivências, as brincadeiras e sobre os povos indígenas também”. Essa percepção de Tiago fez com que compreendesse a necessidade dos próprios indígenas escreverem suas histórias e apresentarem a realidade a partir de um olhar que não fosse exterior: “podemos escrever com mais emoção e verdade. Onde estiverem esses livros escritos por nós, estarão as vozes, flechas, lutas, sonhos e sangue derramado do meu povo. É por respeito aos nossos ancestrais que a gente escreve”, comentou o autor na mesa da tarde deste sábado.

 

Essa realidade, atesta Tiago, felizmente começa a ser mudada hoje em dia. “Cada povo caça de um jeito, faz farinha de um jeito, mas o que podemos fazer juntos é escrever para perpetuar nossa história.Vamos descobrir os outros povos quando eles escreverem suas histórias”, comentou o escritor. É o que também acredita Julie Dorrico, doutora em Letras (PUC/RS), que trabalha com literatura indígena contemporânea. Para ela, a literatura indígena permite que eles sejam conhecidos coletivamente. Por isso, na mesa desta tarde, ela preferiu compartilhar seu tempo de fala com outros parentes.

 

Julie compartilhou que foi ensinada que ao fazer ensino fundamental, médio, graduação, mestrado e doutorado chegaria justamente onde chegou hoje. “Mas me ensinaram que eu chegaria sozinha. Eu não quero estar sozinha, por isso prefiro que meu tempo seja encurtado. Em nada na vida quero avançar sozinha. Toda vez que não estive com meus parentes, me senti sozinha”, compartilhou a autora que pesquisa sobre o narrador pertencente, aquele que possui o pertencimento com a floresta, com o povo originário e como se relaciona com as sociedades modernas contemporaneamente

 

Assim, além de Julie e Tiago, Aritana Fulni-ô, Anuiá e Lappa Yawalapiti também participaram dessa mesa compartilhando o sonho de escrever livros e de desenvolver uma literatura feita por eles próprios. “A gente tem muitas histórias que não foram contadas”, contou Lappa Yawalapiti. Aritana Fulni-ô atestou a importância da literatura: “hoje me sinto muito forte aqui. Porque a literatura é algo bom para abrir a mente de todos nós”.

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